Na Suíça, as notas de papel continuam sendo o principal meio de pagamento
O que está por trás da preferência dos suíços por dinheiro em espécie?
Enquanto o uso de dinheiro em espécie diminui em diversos países europeus, fazendo com que muitos deles tirem de circulação as notas com valor mais alto, a Suíça acaba de lançar uma nova cédula inteligente.
A nova nota roxa de mil francos suíços, um pouco menor e com a imagem de um aperto de mãos e um globo terrestre, é a mais recente de uma série de reformulações feitas pelo Banco Central da Suíça (SNB, na sigla em inglês).
Nesse caso, de acordo com a autoridade monetária, o tema remete ao talento comunicativo do país, que é multilíngue.
A cédula é uma das mais valiosas do mundo, estimada em aproximadamente R$ 3.885. De acordo com os dados mais recentes do SNB, há mais de 48 milhões em circulação.
Fenômeno cultural
Ao falar sobre a nova cédula no início de março, o vice-presidente do SNB, Fritz Zurbruegg, descreveu o dinheiro vivo para os suíços como um “fenômeno cultural” e afirmou que a nota de mil francos “corresponde ao que as pessoas desejam”.
A cédula é popular para compras de valor elevado e pagamento de contas nos correios, além de ser uma “reserva de valor”, acrescentou.
Na Suíça, o dinheiro em espécie continua sendo o principal método de pagamento. No país, parte-se do pressuposto de que todo mundo anda com dinheiro, mesmo em uma economia cada vez mais digital. A maioria não é pega desprevenida quando vai comprar um sanduíche ou pagar por um corte de cabelo e máquina de cartão está com defeito.
Se você tiver que pagar por um café com uma nota de 100 francos suíços, não precisa se desculpar – ninguém vai perguntar se você tem uma nota menor.
A nota de mil francos suíços é uma das mais valiosas do mundo.
Para aqueles itens mais caros, alguns bancos permitem o saque de até 5 mil francos suíços por dia no caixa eletrônico sem aviso prévio.
Comprar um carro com dinheiro em espécie também não é tão raro.
Em 2017, uma pesquisa realizada pelo SNB que analisou o hábito de pagamento de 2 mil suíços revelou que eles realizavam 70% de suas transações em dinheiro vivo.
O cartão de débito representava 22% das operações, seguido pelo cartão de crédito, responsável por 5%. Métodos inovadores, como aplicativos de pagamento e cartões com tecnologia contactless, apresentaram um desempenho muito mais modesto.
No entanto, um relatório de 2018 do Banco para Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês) mostra que, globalmente, muitos pagamentos feitos tradicionalmente em espécie estão sendo realizados de forma eletrônica.
Enquanto países vizinhos como a Alemanha parecem compartilhar a afinidade da Suíça com o dinheiro vivo, outras nações europeias, como a Suécia e a Holanda, estão se distanciando rapidamente dela.
‘Dinheiro de verdade’
Por que então os suíços preferem dinheiro vivo? Há duas razões simples: o dinheiro em espécie é amplamente considerado parte da cultura nacional, e as pessoas acreditam que seu uso permite controlar os gastos com mais facilidade.
Em comparação com outras nações, os suíços não usam muito os aplicativos de pagamento móvel – mas isso está começando a mudar.
Na Basileia, Chris Troiani, de 53 anos, confirmou essa teoria, ao contar que muitas pessoas que ela conhece ainda preferem a garantia de andar com notas altas na carteira.
Já Philippe Chappuis, de 44 anos, gosta mais de fazer compras com cartão ou usar um aplicativo de pagamento móvel – mas por motivos práticos.
“Eu não gosto que minha carteira fique estufada com moedas”, diz.
No entanto, ele consegue entender por que tanta gente gosta de dinheiro vivo. Segundo ele, a adoção de taxas de juros negativas pelo SNB levou à incerteza sobre como os bancos poderiam reagir e levantou questionamentos sobre a existência do dinheiro apenas no plano virtual.
Nesse sentido, o dinheiro em espécie é mais tangível: “Você pode ter certeza de que é seu”.
Jürgen Engler, como outros comerciantes da Marktplatz na Basileia, só aceita dinheiro vivo.
“Dois ou três clientes por mês pedem para pagar com cartão”, estima.
“Quando vou às lojas, gosto de pagar com cartão, mas, quando vou ao mercado ou a um restaurante, sempre pago com dinheiro ‘de verdade’.”
No entanto, apesar da forte popularidade do dinheiro em espécie, o uso de aplicativos de pagamento móvel, como o TWINT ou V Pay, está começando a crescer.
Uma pesquisa realizada em 2017 concluiu que a proporção de consumidores suíços que usam pagamento móvel deve aumentar em algum momento.
Jane Kettner, de 29 anos, faz parte de uma geração mais jovem que utiliza esses novos métodos de pagamento, mas ainda acredita que pagar com dinheiro vivo oferece maior controle sobre os gastos.
“Quando é eletrônico, você gasta o dinheiro com mais facilidade”, avalia.
Este aspecto é reforçado pelo psicólogo Miguel Brendl, professor de marketing da Universidade da Basileia.
“A sabedoria popular sugere que gastar um franco suíço virtual pode dar a impressão que você está gastando menos do que se estivesse gastando um franco suíço físico. Mas mesmo que isso seja verdade, e pode ser verdade, não é suficiente para explicar por que uma sociedade dá preferência ao dinheiro”, analisa.
Existe também o fator da identidade: os suíços se identificam com o dinheiro em espécie em parte por causa da forma como o veem. É uma nação que valoriza a privacidade e não gosta que digam a ela o que fazer.
Eles se veem como diferentes de seus vizinhos europeus e preservam cuidadosamente as tradições que os distinguem, como as línguas, o sistema político e a moeda.
Os países vizinhos acreditam que as cédulas de valor alto ajudam os criminosos a lavar dinheiro. Por isso, 17 dos 19 bancos centrais da zona do euro concordaram em parar de produzir notas de 500 euros, com o intuito de colaborar para redução da criminalidade. E a Alemanha e a Áustria estão prestes a seguir o exemplo.
As notas altas também facilitam o saque de grandes quantias das contas bancárias, em particular no fim do ano, quando os suíços devem declarar seu patrimônio com base em seus extratos bancários.
Fritz Zurbruegg descarta a teoria de que a nota de mil francos seja usada com mais frequência do que outras por criminosos. Mas admite que, embora a demanda por dinheiro vivo aumente no Natal, também pode ser porque “haja uma possível evasão fiscal, conforme estudos mostram”.
‘Privacidade, conveniência’
Patrick Comboeuf, do Instituto de Negócios Digitais da Universidade de Ciências Aplicadas HWZ, em Zurique, acredita que a Suíça vai abandonar o dinheiro em espécie no seu devido tempo.
“A maior alavanca para uma adoção mais eficiente de pagamentos sem dinheiro vivo é uma experiência de usuário de alto nível. Infelizmente, isso também é o mais negligenciado em qualquer um dos conceitos disponíveis na Suíça hoje”, diz Comboeuf, que também é membro do conselho do Fintechrockers, think tank criado por um grupo diverso de ativistas.
Ele acredita, no entanto, que a era digital está transferindo o poder da indústria financeira para os consumidores, levando a um foco maior no atendimento ao cliente.
As criptomoedas e a tecnologia blockchain (espécie de banco de dados descentralizado que usa criptografia para registrar as transações) continuam sendo temas importantes para start-ups e companhias suíças já estabelecidas.
Um estudo recente da Universidade de Lucerna mostrou que o desenvolvimento da tecnologia financeira suíça acelerou significativamente em 2018, tanto em número de empresas quanto em capital de risco investido.
Jonathan Rea, CEO da Foinder, consultoria de negócios baseada na Suíça, acredita que qualquer adoção em massa de uma criptomoeda para substituir as transações do dia a dia está a pelo menos uma década de distância.
“Para que a adoção em massa aconteça, vai depender do equilíbrio entre privacidade, conveniência, autoidentidade e valor percebido do dinheiro como uma proteção contra o endividamento”, avalia.
Por enquanto, muitos suíços ainda valorizam o anonimato e a liberdade que o dinheiro vivo proporciona. As novas notas estão circulando. E, em poucas palavras, são itens de ostentação. Isto é, se você conseguir mantê-las na carteira.
Fonte:
Att
Diretoria de Comunicação do SNM