Por que o Dia Internacional da Mulher é para reflexão, e não para flores ou bombons

Criada pela ONU, a data não é de festa: reflete a luta histórica por direitos e oportunidades

A criação do Dia Internacional da Mulher foi motivada pela luta operária e pelos movimentos políticos. Torná-la um dia sobretudo de festa é uma maneira de apagar o protagonismo das mulheres na História. ARTE DE LARI ARANTES

POR LIANE THEDIM

08/03/19

Muito se fala sobre o motivo de o 8 de março ter sido escolhido o Dia Internacional da Mulher. Há controvérsias sobre sua origem, geralmente associada a um incêndio que matou 125 mulheres em uma fábrica têxtil, em Nova York, em 1911. Mas fato é que a data foi motivada pela luta operária e pelos movimentos políticos — e torná-la um dia de festa é uma maneira de apagar o protagonismo das mulheres na História.

A socióloga Eva Blay, professora emérita da USP e uma das principais pesquisadoras da data, explica que a jornalista alemã Clara Zetkin (1857-1933) propôs a criação da efeméride sem definir um dia exato, ao participar do II Congresso Internacional de Mulheres Socialistas, em Copenhague, em 1910. Ela militava no movimento operário e se dedicava à conscientização das mulheres sobre seus direitos.

Dois anos antes, nos Estados Unidos, no último domingo de fevereiro de 1908, mulheres já haviam feito uma manifestação a que chamaram Dia da Mulher, reivindicando o direito ao voto e a melhores condições de trabalho. Em 1909, a data aconteceu em 26 de fevereiro, em Nova York, com duas mil mulheres em passeata novamente por melhores condições de trabalho — suas jornadas chegavam a 16 horas por dia.

O incêndio frequentemente apontado como o motivo para a criação do Dia da Mulher só foi acontecer em 25 de março de 1911, um ano depois da proposta de Clara Zetkin. Naquela época, era comum os empregadores trancarem as portas e cobrirem os relógios durante o horário de trabalho. A Triangle Shirtwaist Company empregava 600 pessoas, a maioria mulheres imigrantes judias e italianas, com idades de 13 a 23 anos, e ficava no terreno que hoje abriga a Universidade de Nova York.

Com chão e divisórias de madeira, grande quantidade de tecidos e retalhos e instalação elétrica precária, o fogo se propagou rapidamente. Morreram 146 pessoas, sendo 125 mulheres e 21 homens, na maioria judeus.

De lá para cá, as manifestações pelos direitos das mulheres continuaram a acontecer em todo o mundo, em datas variadas, com vitórias e derrotas. Em 1975, o 8 de março foi oficializado pela ONU como o Dia Internacional da Mulher.

— As mulheres sofrem muitas violências. Físicas, salariais e discriminação no ambiente de trabalho. O 8 de março é um dia especial para suas reivindicações por igualdade de direitos e oportunidades — diz a socióloga Eva. — O Dia Internacional da Mulher joga luz sobre essa situação.

Ou seja, é um dia de mobilização, não de homenagem a pessoas especiais com flores e bombons. “Adocicar” a data faz a mulher retornar a um lugar “essencialista”, frisa Carla Rodrigues, filósofa, professora da pós-graduação em Filosofia da UFRJ, pesquisadora da Faperj e coordenadora do laboratório de pesquisa “Escritas, filosofia, gênero e psicanálise” (UFRJ): essencialmente frágeis, essencialmente dóceis, essencialmente delicadas. Apaga a relação entre mulheres e luta.

Conseguimos vitórias, mas ainda há muito o que caminhar. Conquistamos espaço no mercado de trabalho, mas ganhamos menos que os homens, chegamos muito menos a posições de chefia. Fomos à universidade, mas ainda somos exploradas. Conseguimos autonomia, mas não podemos andar nas ruas sem medo. E liberdade é não ter medo.

No Brasil, a cada dois segundos uma mulher é vítima de violência física ou verbal; a cada 1,4 segundo há uma vítima de assédio (Fonte: Relógios da Violência, do Instituto Maria da Penha); no trabalho, as mulheres ganham 77% do salário dos homens (Fonte: IBGE, quarto trimestre de 2018).

Por isso, neste 8 de março, ao encontrar uma mulher, em vez de oferecer flores e desejar feliz dia, olhe para ela e diga: estou com você nessa luta.

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Att

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